Um sorriso onipresente!
Lélia Gonzalez (1935 - 1994), em toda sua grandeza e magnitude, foi uma antropóloga, intelectual, autora, ativista e professora brasileira. Pioneira nos debates sobre a relação de gênero e raça, assim como nos estudos sobre cultura negra no Brasil. Também foi expoente na criação do Movimento Negro Unificado e do Olodum.
"A mulher negra é responsável pela formação de um inconsciente cultural negro brasileiro. Ela passou os valores culturais negros, a cultura brasileira é eminentemente negra, esse foi seu principal papel desde o início."
Sua História
Vive-se no Brasil uma onda de epistemicídio, termo cunhado por Boaventura de Santos Souza para denunciar a monocultura dos conhecimentos, isto é, a prática de apagamento e silenciamento de saberes em detrimento de outros. Não é surpresa, portanto, que intelectuais negros e indígenas sejam as principais vítimas de tal prática. Mas por que falar disso? Ora, pois falamos dela, dona do sorriso mais afagante destas terras do sul, de Lélia Gonzalez, uma das maiores vozes contra o apagamento do povo amefricano, da mulher e da cultura!
Graduou-se em história e filosofia na Universidade do Estado do Guanabara, atual UERJ, e logo depois atuou como professora da rede pública de ensino. Lélia, questionadora por natureza, sempre confrontou a branquitude e o machismo da sociedade. Assim, fez um mestrado em Comunicação Social e logo depois um Doutorado, onde se especializou em Antropologia Política e fortaleceu seus laços com os estudos de gênero e raça. No entanto, foi no mundo acadêmico que identificou as contradições que a levaram para o ativismo no movimento negro e no feminismo.
Por onde esteve, Lélia Gonzalez deixou uma produção intelectual intensa e original, que mistura saberes e vivências de diversas áreas e marcou uma geração de militantes negras. Entre seus escritos estão os livros ‘Festas Populares no Brasil’ e ‘Por um Feminismo Afro-Latino-Americano’, sua principal obra, e os ensaios ‘A Mulher Negra na Sociedade Brasileira’, ‘As Amefricanas do Brasil e suas Militâncias e ‘A Importância da Organização da Mulher Negra no Processo de Transformação Social’, entre tantos outros.
Lélia morreu em 10 de julho de 1994, deixando um extenso legado na pesquisa e militância brasileira. Para se ter uma noção do poder dessa mulher, em apenas uma década ela participou da formação do PT, foi do PDT, e integrou o primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Não bastando “só” isso, ela ainda percorreu pelo mundo representando o Brasil nos debates sobre as condições de exploração e opressão dos negros e das mulheres em eventos nos Estados Unidos, na África e na América Latina e criou um marco conceitual para a compreensão da identidade brasileira e de seus irmãos de continente: a amefricanidade. O poder de Lélia estava em sua luta, em sua escrita, em seu ativismo, em sua gentileza e, acima de tudo, em seu sorriso.